SÃO PAULO (SP) — Um caso de extrema gravidade envolvendo apologia ao nazismo e discurso de ódio dentro da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, gerou uma crise interna e mobilizou o Centro Acadêmico Vladimir Herzog (CAVH), além de coletivos estudantis da instituição. O episódio teve início com a participação de uma liderança de extrema direita em uma atividade acadêmica e evoluiu para uma denúncia formal envolvendo símbolos nazistas e ataques discriminatórios contra figuras públicas.
O personagem central do episódio é o aluno Lucas Ramos Negro, que organizou, supostamente sem consenso do grupo, a participação de Pedro Umbelino — pastor da Igreja Vida Total (São Caetano do Sul) e liderança municipal do Movimento Brasil Livre (MBL), organização conhecida por seu alinhamento com pautas ultraconservadoras e por declarações contra minorias sociais.
Umbelino participou de uma coletiva de imprensa simulada da disciplina “Relacionamento com a Mídia”, na turma JO3F. Segundo o CAVH, ele foi levado à sala "contra a vontade do grupo que integrava". Após o evento, circulou livremente pelo campus, gravando vídeos dentro da faculdade — inclusive entrou na sala do próprio Centro Acadêmico, no terceiro andar.

Alvo de ataques: ex-aluna Maju Coutinho
Em paralelo, estudantes da mesma turma relataram que o próprio Lucas teria feito comentários machistas durante as discussões em sala, entre eles uma afirmação ofensiva sobre a jornalista e ex-aluna da Cásper Líbero, Maju Coutinho. Ele teria alegado que a profissional só teria alcançado sua posição atual por meio do “teste do sofá” — expressão misógina usada para sugerir que mulheres conquistam espaços por favores sexuais, historicamente usada para atacar mulheres negras que ocupam posições de destaque.

Suástica e grupo restrito
A situação se agravou com a denúncia de que Lucas criou um grupo de WhatsApp para organizar a atividade da aula relacionadas a práticas antirracistas e, nele, usou como imagem uma suástica nazista — símbolo associado à ideologia responsável por crimes contra a humanidade, e cuja exibição é tipificada como crime no Brasil, segundo o artigo 20 da Lei nº 7.716/89, que trata da apologia ao nazismo.

Estudantes ouvidos pela reportagem, que preferiram não se identificar, disseram que não sabiam que o convidado era vinculado ao MBL, e tampouco tinham conhecimento da imagem com apologia ao nazismo usada no grupo de trabalho que foi formado para outra matéria. Segundo eles, “jamais teriam aceitado a presença do convidado ou permanecido no grupo se soubessem” dessas informações, vale lembrar que o grupo responsável pelo trabalho de entrevista não tem qualquer vínculo como o grupo onde a imagem da suástica foi compartilhada.
Os estudantes afirmaram também que Lucas escolheu cuidadosamente as pessoas com quem formaria o grupo da atividade, optando por colegas que, segundo eles, têm um perfil mais reservado, com menor inserção política no curso ou menos propensão a confrontos. A percepção é de que isso teria facilitado a imposição de decisões sem discussão prévia — como o uso da imagem de uma suástica como ícone do grupo.

Recorrência
Esta não é a primeira vez que casos de apologia ao nazismo ocorrem dentro da Cásper Líbero. A instituição já teve episódios semelhantes em 2019 e 2020, quando mensagens e símbolos associados ao regime nazista circularam em contextos internos da faculdade. Os desdobramentos dos casos anteriores não foram amplamente divulgados, o que, segundo representantes estudantis, gera um histórico preocupante de impunidade ou omissão diante de atos graves.

Posicionamento dos coletivos
Diante da gravidade dos fatos, o Centro Acadêmico Vladimir Herzog, em conjunto com os coletivos AfriCásper, CásperÁsia e Frente LGBTQIAPN+, enviou um e-mail formal à direção da faculdade cobrando explicações e providências urgentes.
“Não podemos permitir a presença de fascistas dentro do nosso campus. [...] A questão da suástica configura um crime federal que mancha nossa imagem enquanto instituição”, escreveram.
“Toda vez que tentamos trazer convidados relevantes do CAVH e dos coletivos para a Cásper — como o jornalista Sérgio Gomes, que foi amigo de Vladimir Herzog, foi torturado pela ditadura e é integrante do Instituto Vladimir Herzog —, temos uma dificuldade enorme. Não podemos permitir que um sujeito extremista tenha facilidade para entrar no nosso campus.”
No mesmo e-mail, os representantes estudantis solicitaram a expulsão de Lucas Ramos Negro e pediram um posicionamento público até o dia seguinte ao envio da denúncia, além da garantia de que episódios semelhantes não se repitam.
Faculdade se pronuncia
Em resposta ao episódio, a direção da Cásper Líbero convocou uma reunião de urgência com os representantes do Centro Acadêmico e dos coletivos. Durante o encontro, a faculdade informou que irá abrir uma investigação interna para o esclarecimento completo dos fatos, além de reafirmar seu compromisso com os valores democráticos, e o ambiente plural de ensino.
Especialistas falam em “discurso sofisticado” e normalização do ódio
A advogada Alessandrine Silva, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Amazonas, afirma que casos como esse representam uma escalada de discursos de ódio com roupagem disfarçada, mas profundamente violentos.
“É muito importante identificar os discursos sofisticados, que contaminam o debate público e desqualificam temas relacionados a grupos vulnerabilizados, como LGBTQIA+, mulheres, crianças. Ao deslegitimar essas pautas, eles normalizam a violência”, afirma.
“O Brasil é um país absolutamente diverso. Alguém do Amazonas, de Alagoas ou do Ceará pode enfrentar a falta de saneamento básico e, ao mesmo tempo, conviver com violência de gênero ou preconceito racial. Reduzir o debate público e atacar a legitimidade dessas pautas é defender, na prática, a perpetuação da violência.”
A universidade como alvo do extremismo
O cientista político Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, também vê os episódios como parte de um fenômeno maior. Segundo ele, onde a extrema-direita assume poder, ela se torna inimiga da liberdade de ensino e de pesquisa.
“Esses grupos praticam agressões verbais, perseguições, intimidação e até agressões físicas. Nem os democratas, nem as universidades podem tolerar essas manifestações”, alerta.
“A omissão fortalece a ousadia dos extremistas. As universidades precisam coibir com medidas disciplinares, regulamentos internos e recorrer às leis que proíbem esse tipo de comportamento.”

Mobilização estudantil continua
A crise na Cásper Líbero reforça a urgência de um posicionamento institucional claro diante do avanço de discursos autoritários no ambiente universitário. Os estudantes prometem manter a mobilização e seguir pressionando por medidas exemplares, que garantam a integridade e a diversidade no espaço acadêmico.
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